sábado, 19 de março de 2011

As quatro estações

As folhas secas cobrem o meu jardim, o outono demora a passar, varro as folhas enquanto te olho pela a janela, caminhando sobre minha calçada . Você passa ali todos os dias, na mesma hora, do mesmo jeito, com o mesmo andado, parece que...Não sei com o que se parece, mas sempre paro para te olhar, confesso que sinto um pouco de inveja, pois minha causada tem o privilégio de sentir os teus pés sobre ela. Te vejo todos os dias as oito horas da manhã e as oito horas da noite, vai com a cabeça baixa e vem com a cabeça mais baixa ainda, passos firmes e decididos, sorriso discreto (se é que aquilo pode-se chamar de sorriso). Cabelos pretos e amarrados, roupa bem passada, não usa brinco (pelo menos nunca vi) e usa um discreto batom marrom, para evitar certo pseudónimos cruéis. De vez em quando, nos encontramos na calçada, na nossa calçada, te comprimento, você olha pra mim e só balança a cabeça, eu até entendo mas prefiro fingir que não. Já fazem três anos que você mora na minha rua, no máximo trocamos cinco palavras.
_Moço, o lixeiro já passou?
_Sim!
_Ah, obrigada.
Conheço pouco sua voz, não conheço nenhuma mania sua, não sei teus medos, não conheço os teus segredos, não sei se é organizada ou não, muito menos sei dos teus defeitos. Só te conheço por minha calçada, os poucos segundos que ela fala de ti, quando passas ligeiramente sobre ela, enquanto fico pela janela te observando as oito da manhã, em mais uma sexta-feira de outono.
No inverno, passa sobre minha calçada toda agasalhada, o seu suéter cobre um pouco a tua face, permitindo-me olhar só os teus olhos, agora mais do que nunca, será impossível saber se andas sorrindo ou não, e tento por frações de segundos decifrar teu olhar , mas me entristeço, pois não sei bem o que ele me diz, é como se eu fosse um estrangeiro que não sabe falar a língua dos teus olhos, talvez eu seja apenas um turista em teu País, teu olhar talvez esteja em silêncio, assim como você, mas isso nunca irei descobrir no inverno.
Chega-se de uma forma triunfante a primavera, a estação mais bela e regada de cores fortes e chamativas, mas ainda és uma mulher discreta, vestido singelo, passa sobre minha calçada com uma enorme bolsa, parece que carrega o teu mundo lá dentro, olha pra mim e abre um sorriso bem indeciso, não se sabe se lhe convém aparecer, logo o retribuo.
_Bom dia.
_Bom dia.
_Dia bonito, não?!
_Sim, muito bonito, bom deixa eu ir.
Andas sempre compressa, parece que anda atrasada com vontade de chegar adiantada, e ela vem e vai de cabeça baixa, trocamos as vezes algumas palavras, e eu ainda sinto inveja da minha calçada.
E então, chega o verão, uma estação bipolar, a estação nada parecida com a mulher tão decidida como a que passa sobre minha calçada. E finalmente consegui saber o teu nome, através da D°.Iracema, a senhora mais fofoqueira da rua (é estranho dizer isso, mas a fofoca tem lá os seus lados positivos). O seu nome é Isabella, eu sabia que tinha bela no nome, era como se eu tivesse achado um tesouro ou descoberto tudo sobre você, mas o meu lado racional dizia pra eu não me alvoroçar, pois eu tinha apenas descoberto o teu nome. Já se tem três anos que mora em minha rua, três primavera, três verão, três outono e três inverno, que fico te observando enquanto passas em minha calçada, parece engraçado, mas não tem graça ter um amor platônico.



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